Peso, estigma e saúde

A obesidade não é um fator isolado determinante para a diminuição da expectativa de vida dos pacientes, de acordo com pesquisa publicada na “Clinical Obesity”. Cientistas analisaram dados de 54 mil pessoas e determinaram que pacientes obesos que não sofrem de hipertensão, diabetes, colesterol alto e outras doenças metabólicas (cerca de 1 em cada 20) têm a mesma chance de morrer que uma pessoa magra também saudável. Esta descoberta contraria a visão de que corpos magros são sinônimo de saúde.

A constante exposição a corpos muito magros, dicas de dietas milagrosas e até medicamentos apresentados nas revistas, programas de televisão e, mais recentemente, as blogueiras fitness, pode causar ou agravar um quadro de transtorno alimentar. Estudos traçaram um panorama das doenças causadas por esse tipo de transtorno e identificaram uma elevada taxa de mortalidade. Imagens de pessoas extremamente magras são veiculadas para retratar as doenças e causar preocupação. No entanto, pessoas consideradas gordas também podem apresentar comportamentos transtornados, e a associação da magreza excessiva aos transtornos causa negligência por parte dos pais, amigos, médicos e até mesmo dos próprios pacientes, que muitas vezes nem percebem que estão doentes.

A cientista social Beatriz Klimeck, mestranda em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) recebeu o prémio de melhor pôster do 6° Congresso Internacional de Estigma do Peso, realizado em Leeds, na Inglaterra, com um estudo sobre a influência do estigma do peso na percepção de transtornos alimentares. Ela analisou antropologicamente o caso de duas irmãs que apresentavam o mesmo padrão de comportamento. Uma delas era magra e tinha sido diagnosticada com um transtorno alimentar. Já a outra, chamada no cartaz de Bianca, seria considerada “acima do peso”. A análise do caso mostra como a reação da família com relação aos mesmos comportamentos muda de acordo com o peso de cada uma das filhas. À irmã de Bianca foi oferecida ajuda, enquanto a ela era não só permitido quanto incentivado entrar em dietas de até 800 calorias por dia.

De acordo com a pesquisadora, quanto mais se estuda sobre o estigma do peso, mais evidente fica o fato de que pessoas gordas são negligenciadas, tanto no tratamento de transtornos mentais, quanto no de doenças como o câncer. "Nossa sociedade acha que "vale tudo" para emagrecer, e nós introjetamos isso a ponto de acreditar que nosso valor está aí, no corpo magro/emagrecido. Queria trazer aqui a história de Ellen Bennett, que faleceu em maio deste ano em decorrência de um câncer que por anos foi negligenciado. Toda vez que procurava ajuda médica, ouvia "indicações" para que perdesse peso e nada de enxergarem para além disso. Seu último pedido fora de que principalmente mulheres gordas lutassem para não aceitar que a gordura corporal fosse a única questão de saúde importante”, afirmou Beatriz.

“Desestigmatizar transtornos mentais é urgente, é gritante. Nessa luta, acredito que todo mundo sai ganhando. Além disso, lutar contra a gordofobia é essencial. Se a nossa sociedade aceitasse pessoas gordas com dignidade, em acessibilidade nos espaços públicos, no âmbito médico e nas relações pessoais, menos pessoas fariam de tudo e mais um pouco para querer emagrecer e se encaixar num padrão”, alertou a cientista social.

Comportamentos de risco

Os índices de jovens com comportamentos de risco para transtornos alimentares são bastante preocupantes. De acordo com uma tese desenvolvida pela nutricionista Greisse Viero da Silva Leal, doutora em Nutrição em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), 12,2% dos entrevistados apresentava algum comportamento de risco. Práticas não saudáveis, como pular refeições, usar medicamentos ou fumar mais com o objetivo de perder peso eram utilizadas por 31,9% desses jovens, e mais comuns nas meninas. Foram avaliados 1.167 adolescentes, de 14 a 19 anos, estudantes do ensino médio em São Paulo.

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Segundo Klimeck, as redes sociais são fatores importantes no desenvolvimento desses comportamentos. “Nem todo transtorno alimentar tem a ver com autoimagem nem com peso corporal, mas os que tem, certamente pioram. Existem várias formas, mas a idealização da imagem do outro lado é seríssima - como se aquela mulher na praia com a luz "perfeita" não tivesse uma equipe, às vezes uma câmera profissional e não um celular, várias fotos "inadequadas" até a "certa", depois todo um tratamento da imagem... e mesmo as pessoas "comuns" escolhem seus ângulos favoritos, tiram várias fotos para postar uma, às vezes estão tristes em casa e lançam na rede uma foto boa para se sentirem melhor. Além disso, muitas blogueiras "fitness" dão "dicas" de emagrecimento muito problemáticas e características de pessoas com transtornos alimentares”, explicou a pesquisadora.